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Fabiana de Luna

Os tempos mudaram, ainda bem!


Quando recebi meu diagnóstico do diabetes tipo 1 no início do ano de 1993 a primeira coisa que eu pensei foi: " eu não ligo pro açúcar. Mas e aquele bolo de brigadeiro, não vou mais poder comer?"

Como eu poderia imaginar que, anos mais tarde, poderia comer o que quisesse, graças às novas insulinas e contagem de carboidratos. Mas naquela época não, era tudo muito restritivo, não tinha outra forma de ser.

Eu tinha apenas 9 anos de idade, e minha irmã perguntou se eu ia ter que tomar insulina. Eu acho que eu nunca tinha ouvido falar nessa palavra antes. Achei a palavra engraçada: INSULINA. Achei que fosse um remédio, um comprimido ou xarope.

Insulina. Injeção. Para o resto da vida. Foi um choque!

Não poderia mais comer doce, e ainda teria que tomar injeções, mais de uma, pro resto da vida. Ali meu mundo caiu.

Janeiro de 1993, diagnóstico do DM1

Estava longe de ser um diagnóstico fácil... minha mãe, na tentativa de obter informações, buscar apoio e conforto, procurou alguns diabéticos tipo 1 pela cidade, e pais de outras crianças para fazer amizade. Eram poucos. Levava estas pessoas para jantar em casa, em festinhas de aniversário, para eu não me sentir tão "sozinha". Mas como não me sentir sozinha se, a cada aniversário ou festinha na escola, eu tinha que levar meu próprio refrigerante ou suco diet, e um doce diet feito em casa para comer na hora do bolo. As pessoas comiam bolo e brigadeiro, eu comia a minha gelatina diet com creminho. Eu não como mais gelatina hoje em dia. rs

Não tínhamos a internet ainda. raramente chegava algum jornalzinho trimestral sobre diabetes em casa. Escrevíamos para os fabricantes de insulina para perguntar coisas sobre diabetes, e eles enviavam xerox de livros para lermos.

Fiz isso muitas vezes!

Media a glicose pela urina. Glico-fita. Quando aparecia traços verdes na fitinha amarela queria dizer que a glicose no sangue estava alta. Quanto mais verde a fita ficava, mais descontrolado estava o diabetes.... Como saber o valor real? Como sobrevivi anos com isso?

Meu primeiro glicosímetro ganhei anos depois, e media uma vez ao dia, dia sim dia não, para economizar. Eram realmente muito caras as fitas. Ainda são!

Uma coleguinha praticamente da mesma idade tinha diabetes desde que nasceu. Soube que ela ainda utilizava seringa de vidro, a mãe dela tinha que ferver todos os dias!

Eu não entendia muito bem aquilo, mas agradecia que eu já usava as descartáveis, mesmo reutilizando de 3 a 4 vezes... e não precisava ferver todo dia a minha seringa.

Aprendi a fazer insulina no primeiro dia de consulta. Eu quis tentar, parecia fácil!

Mirei a perna, e saiu ali perto do joelho mesmo. Uma fisgada! Mas eu fiz!

Depois disso, só pedia ajuda para minha mãe quando tinha que fazer rodizio e aplicar no braço ou no bumbum, era meio difícil no começo, mas depois aprendi a fazer sozinha, afinal, contorcionismo também é uma das habilidades desenvolvidas pelos diabéticos ao longo da vida!

Eu não comia doce. Tudo tinha uma versão diet incrivelmente horrível, com gosto amargo de adoçante e consistência diferente. O refrigerante era encomendado nos supermercados.

O chocolate era da PAN, tinha apenas esta marca, até que chegaram as goiabadinhas com gosto de fumo de rolo. Meu pai riu quando eu falei isso, mas até hoje eu acho que tem esse gosto!

Fiz três amigos diabéticos nos primeiros anos. Sou triste pelo futuro que a vida lhes reservou. Uma menina, da minha idade, veio a falecer aos 11 anos com uma infecção generalizada. Poucos anos depois o outro foi vítima de um afogamento na praia por conta de uma hipoglicemia. o terceiro, que ainda é vivo, passou por um transplante duplo de pâncreas e rins há alguns anos, depois de muitas complicações e de entrar em coma várias vezes devido ao mal controle.

Agradeço imensamente meus pais que, cheios de medos e inseguros, corriam atrás do máximo de informações para que, juntos, vencêssemos este desafio diário que é ser diabético tipo 1.

Já sofri bullying de alguns colegas. Não posso esquecer do dia que uma menina da sala passou o prato de brigadeiro debaixo do meu nariz e disse: "Bem feito, você não pode comer!"

Não esqueço este dia, nem o cheiro gostoso de brigadeiro que passou como vento debaixo do meu nariz!

Vez ou outra eu esquecia o lanche, e minha mãe corria no colégio para me levar um pãozinho integral, ou uma fruta, ou até um chocolate no intervalo. Essa mesma colega de classe me chamava de "Diabética fresca" por causa disso.

Como alguém poderia, mesmo que na inocência, usar minha condição para xingar ou provocar... "diabéeeetica". Eu era mesmo, mas aquilo doía ao ouvir. Eu não tinha culpa.

Aquilo me motivou a falar sobre diabetes, e na 6a série escolhi o tema para apresentar na feira de ciências!

Montei um esquema com buchas coloridas para explicar a ação da insulina sobre as células e sobre a glicose na corrente sanguínea. Coloquei pâncreas de boi e de porco num vidro com formol para mostrar de onde vinha a insulina. Bolei camiseta para todos os membros do grupo (e isso foi sensacional, éramos uma equipe uniformizada, super profissional!). Comprei fitinhas para exames e cobrava dois Reais naquela época para fazer exames em quem quisesse. Foi assim que a minha professora de matemática, que também era minha tia, descobriu que tinha diabetes tipo 2!

Existe um vídeo desta apresentação, eu gostaria muito de resgatar, pois jamais esquecerei da importância daquele projeto, que me rendeu um prêmio na escola, e mudou a forma das pessoas verem o diabetes. Eu tinha apenas 12 anos.

Digo que os tempos mudaram porque hoje em dia buscamos informações rapidamente pela internet, onde também encontramos apoio e amizade. Temos acesso às novas tecnologias que sequer existiam até poucos anos atrás.

Quando incentivo as pessoas a procurarem melhores tratamentos, lutar por seus direitos, correr atrás de sua própria saúde, lembro que há poucos anos nada disso estava tão disponível como está hoje, mesmo que não seja perfeito agora.

Sempre ouvia minha médica dizer... "Se um dia a cura chegar, você vai poder usufruir dela? Se tiver com complicações, cega, na hemodiálise, amputada, você será uma forte candidata ao melhor tratamento?", e isso ficou preso na minha memória...

É uma questão de esperança... mas acima de tudo, de luta e superação diária. Eu quero ter a chance de ser curada um dia! Se eu não tiver esta esperança, quem terá?

Se hoje eu falo sobre diabetes, divulgo e luto pela causa, é porque sei o quanto isso é importante não só para mim, mas para cada pessoa com os mesmos sonhos que eu: a cura.

Não abaixe a cabeça diante do seu diagnóstico. Não se negligencie. A sua vida é muito importante!

Não desista, você pode ser a motivação de alguém!

Os tempos mudaram, ainda bem! E podem mudar ainda mais. Esteja pronto!

2017, após 24 anos de diagnóstico

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