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  • Clara Mendes

Cães e gatos podem desenvolver Diabetes?


Sim! \o/

O diabetes é uma doença muito comum também em cachorros e gatos. Cerca de 10% das pessoas diabéticas possuem a doença tipo I e 90% tipo II. Aproximadamente 60% dos gatos diabéticos possuem tipo I e 40% tipo II. Praticamente 100% dos cães com diabetes possui a doença tipo I. Eu sou médica veterinária, tenho Diabetes tipo I há 24 anos e tive um cão com diabetes por 6 anos.

Vou contar um pouquinho sobre o Joca, meu cãozinho diabético, e também informações úteis sobre a doença em pets!

O que acontece em um animal com diabetes?

É exatamente a mesma coisa que acontece com os humanos. Sem a insulina para remover o açúcar do sangue, a glicose começa se acumular. O excesso de glicose é eliminado pela urina, gerando, quase sempre, uma grande quantidade de urina. Como eles começam produzir muita urina e acabam perdendo muito volume de água, torna-se necessário repor o volume perdido e, por isso, começam beber muita água. Já as células que precisam do açúcar como fonte de energia começam literalmente "morrer de fome". Com isso enviam mensagem de alerta que está faltando energia e o animal diabético tende a comer cada vez mais. Mesmo o animal comendo muito, as células continuam não tendo acesso a energia e mandam novas mensagens de alerta ao organismo que começa degradar gordura e músculo para obter energia para as células. Porém, mesmo com todo este esforço, o organismo ainda não pode utilizar o açúcar proveniente deste processo. Os sinais clínicos dos diabéticos, portanto, refletem todo este esforço do organismo: os animais acometidos bebem água em excesso, urinam grandes quantidades, aumentam consumo de alimento e emagrecem muito. Qualquer semelhança conosco não é mera coincidência!

O diagnóstico:

O diagnóstico do diabetes é feito através da dosagem do nível de açúcar no sangue (glicemia), nível de açúcar na urina (pela urinálise) e presença dos sinais clínicos clássicos. Os gatos podem sofrer influência do valor da glicemia devido ao estresse (pela própria visita ao veterinário, manipulação) e, portanto, os valores de glicemia podem estar muito mais elevados durante a consulta e não refletir de forma fidedigna o que está acontecendo no organismo. Neste caso, para os gatos, optamos pelo exame chamado frutosamina para triagem do paciente diabético. Este exame mostra o valor da glicemia sanguínea das últimas 3 semanas, e não sofre alteração com o estresse.

O tratamento:

A minoria dos cães e gatos possui diabetes tipo II. O tratamento para este tipo inclui dieta própria para diabético e medicação hipoglicemiante via oral, bem como a monitoração frequente dos níveis de glicemia. Poucos gatos respondem exclusivamente a este tratamento. O tratamento do diabetes tipo I é feito com injeções diárias de insulina por toda a vida, associada a alimentação própria para animal diabético, exercício e monitoração constante através de exame de sangue e/ou urina.

a) Insulinoterapia:

Existem vários tipos de insulinas humanas no mercado e apenas um tipo de insulina veterinária. O que varia entre elas é sua origem (humana recombinante ou suína/bovina) e a duração do efeito (curta ação, intermediária e longa ação). Em geral, os cães e gatos se adaptam bem a insulina humana e a mais utilizada de rotina é a de ação intermediária. A de ação rápida é utilizada apenas em casos de emergência, quando a glicemia atinge níveis elevadíssimos. Atualmente a insulina de escolha para os cães é a NPH humana e para os gatos a Lantus. Em medicina veterinária, como lidamos com diversos tamanhos de animais, o tipo de seringa utilizada para aplicar insulina deve ser adaptada para o tamanho do animal e quantidade de gordura que ele possui. Cães muito pequenos e gatos, que irão receber pouco volume de insulina por aplicação, precisam de seringas com menor volume (30 - 50U) e os animais com menor teor de gordura precisam de agulha adaptada ao seu score corporal. Os cães e gatos sentem muito pouco incômodo com as injeções. Alguns animais mais sensíveis podem ser ensinados após cada injeção e receber uma recompensa, como, por exemplo, um brinquedo, um passeio, afagos e brincadeiras. Assim, mesmo ele não gostando da injeção, saberá que será recompensado. O início do tratamento com insulina requer acompanhamento rigoroso até que o animal e o proprietário estejam bem adaptados com a rotina. Leva-se em média de 30 a 40 dias até que o veterinário possa definir a dose diária e a frequência de aplicações (uma ou duas vezes ao dia) que o animal irá precisar. Para isso é preciso fazer um exame chamado curva glicêmica, que diz se a dose de insulina foi efetiva, quanto tempo ela agiu no organismo do animal e valor mais alto e mais baixo de glicemia. Para fazer este exame, o animal fica internado na clínica por pelo entre 8 e 12 horas. Seu sangue é colhido a cada 1 ou 2 horas e dosada a glicemia. Com o resultado em mãos, o veterinário irá fazer adaptações no tratamento. Este exame é importante ser feito a cada 3 meses nos animais diabéticos, pois em algumas fases da vida e em algumas condições, a dose de insulina poderá sofrer variação. No caso dos gatos, a avaliação pode ser feita somente pela frutosamina.

b) Dieta:

Independente da terapia utilizada, deve-se sempre instituir uma terapia dietética com o objetivo de manter um peso ideal e regularizar as variações de glicemia pós-alimentação. Na composição da dieta é importante que a quantidade de energia não seja muito baixa, a ponto de não fornecer o suficiente para o metabolismo e que não seja muito alta e o animal ganhe muito peso ou apresente hiperglicemia. Devem-se incluir fibras solúveis e insolúveis na dieta. As dietas que contêm quantidades elevadas de fibras ajudam a promover a perda de peso e promovem a absorção lenta de glicose a partir do trato intestinal, melhorando o controle da glicemia. Para os cães é importante o uso de carboidratos complexos e a alta quantidade de fibras, especialmente insolúveis. Para os felinos é importante a baixa quantidade de carboidratos e a alta quantidade de proteínas na alimentação. Frutas podem ser fornecidas nos intervalos entre as principais refeições, mas é preciso estar atento ao teor glicêmico de algumas delas. Banana e melancia, por exemplo, tem alto teor glicêmico e devem ser fornecidas sem excesso. Muitas vezes proprietário e animal passam por uma “lua de mel” até que os alimentos ideais e preferidos sejam descobertos. Normalmente a palatabilidade das rações terapêuticas não é muito aceitável e torna-se necessário descobrir algum “agrado” que, misturado ao alimento, o faça comer sua ração. Alguns petiscos existentes no mercado são contra indicados para pacientes diabéticos e algumas medicações não devem ser usadas também por eles. Consulte seu veterinário sempre.

c) Rotina:

A rotina de horário é parte essencial para o tratamento de um animal diabético. Horários fixos de alimentação (2 a 3 vezes ao dia para os cães e, no caso dos gatos, quantidade fixa de alimento deixada a vontade) bem como horário fixo de medicação são de extrema importância para evitar variações bruscas na glicemia. A rotina de horários do paciente diabético pode perfeitamente ser adaptada à rotina de seu proprietário. Assim que o proprietário e o animal diabético acostumarem com a rotina de tratamento e estiverem bem adaptados, uma monitoração doméstica de glicemia pode ser iniciada. Isto é feito com uso de glicosímetros portáteis, que usam fitas reagentes e uma gotinha de sangue (que pode ser colhido no lábio, orelha ou coxim) para analisar a quantidade de açúcar do sangue. Com isso o proprietário poderá identificar mais rapidamente situações emergenciais como hipoglicemia ou hiperglicemia e contactar o veterinário imediatamente. Cada proprietário e animal se adaptam a uma técnica diferente. A melhor opção é testar e assumir qual técnica ambos se sintam mais confortáveis.

Acompanhamento:

Hemograma, análise de função renal e hepática e exame de urina também devem ser feitos rotineiramente no animal diabético, pois os rins e o fígado são órgãos que podem sofrer consequências da doença a longo prazo, comprometendo o controle glicêmico do paciente diabético. Nas fêmeas, é indicada a castração assim que possível, pois o cio e os hormônios presentes nessa fase, dificultam muito o controle glicêmico. A monitoração cuidadosa dos níveis de consumo de água e volume urinário do cão irá alertar o proprietário para problemas com o controle da diabetes. O médico veterinário deve ser notificado se os sintomas não desaparecerem ou se retornarem. O sucesso do controle da doença é definido pelo desaparecimento dos sintomas, incluindo a sede e a urina excessiva, a estabilização do peso, a normalização do comportamento e uma glicemia próxima do normal, comprovada nos exames de sangue. Muitos cães diabéticos são obesos. Para a otimização do controle da glicose, deve-se, aos poucos, corrigir a obesidade nos pacientes diabéticos. Isso pode demorar meses! O exercício é altamente recomendável, devido a seus efeitos benéficos no controle dos níveis de glicose e para a perda de peso. Se o cão não tem uma rotina estruturada, recomenda-se começar com caminhadas curtas e, aos poucos, aumentar o tempo destas até um nível tolerável.

Complicações:

Mesmo com o tratamento sendo feito corretamente, os cães podem desenvolver problemas secundários ou concomitantes a diabetes. O principal deles é a catarata. Quase 100% dos cães diabéticos desenvolvem catarata e consequente problema visual nos primeiros 6 a 24 meses. Outros problemas comuns aos pacientes diabéticos são: maior chance de desenvolver infecção urinária e, nas fêmeas, de desenvolver piometra (infecção uterina). Nos pacientes que fazem uso de insulina, crises de hipoglicemia podem acontecer e geralmente estão associadas a dieta incorreta ou dose alta de insulina. Uma glicemia elevada (acima de 500 mg/dl) pode evoluir para um quadro grave chamado de cetoacidose diabética que, se não diagnosticada a tempo e tratada de forma emergencial, pode evoluir para o óbito do animal. Os animais não falam, portanto a observação do tutor torna-se uma ferramenta importante no tratamento. Os sinais clássicos de hipoglicemia (<60mg/dL) são: comportamento estranho, tremores, fraqueza e apatia. Nesse caso, é importante fornecer um alimento que contenha glicose altamente disponível (açúcar, mel) ou uma refeição normal. Normalmente, quando o tutor nota que o animal está “diferente”, o cão ou gato não consegue se alimentar sozinho e é necessário forçar.

Prognóstico:

O prognóstico é extremamente favorável se o proprietário se esforça e mantém a rotina com seu animal. Observações, monitoramento e disciplina são ferramentas importantes para o bom controle da doença. Nos felinos, quanto antes diagnosticada a diabetes, maiores as chances de remissão, ou seja, de o felino deixar de usar a insulina.

João Carlos, o meu Joca:

Joca, o cão diabético!

João Carlos foi meu cão da raça Shih-tzu. Descobri que ele tinha diabetes aos 2 anos de idade.

No caso dele, possivelmente a genética foi a grande causadora. Numa das vezes que ele precisou ser internado, fiz uma ultrassonografia e descobri que os rins dele apresentavam uma má formação (hipoplasia sem diferenciação das regiões cortical e medular), o que causou uma insuficiência renal crônica, porém leve (estádio 1). Joca não gostava da ração terapêutica e sempre precisávamos colocar um “agrado” para ele se alimentar. Algumas vezes salsicha ralada, outras vezes, carne moída sem tempero.

Acontece que um dia ele teve uma hipoglicemia, seguida de uma grave convulsão. Enquanto se debatia, ele fraturou a mandíbula. Aí complicou!

Ele não se adaptou à sonda esofágica para se alimentar e acabei por descobrir através do raio-x que ele também tinha hipotireoidismo secundário à insuficiência renal, ou seja, seus ossos eram de borracha! Com a mandíbula fraturada e ossos de borracha, a cirurgia ortopédica era inviável. Busquei especialistas endocrinologistas, mas infelizmente o Joca não resistiu. Quando seu coração parou, eu não quis fazer nenhuma manobra de ressuscitação. Seus últimos dias foram de bastante sofrimento.

Seu brinquedo favorito? Uma botinha, que foi lançada por mim até a Ponte do Arco Íris. Hoje, eu sei, ele está lá... dando mais cor e mais alegria àquela Ponte.

As injeções de insulina? Ahhhh... Ficaram só comigo!

Dra Clara Bandeira Silva Mendes Médica Veterinária (UFMG) Mestre em Zootecnia/Nutrição Animal (UFMG) Pós-graduanda em Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos (Instituto Qualittas/ BH)

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